sexta-feira, 2 de agosto de 2013

JORNADAS DE JUNHO: UMA CAUSA NÃO PERCEBIDA

Quem é o líder? Qual é o partido? Quem está por trás? O que querem? Com quem negociar? Perguntas como essas atormentaram jornalistas e políticos perplexos com as manifestações de junho de 2013 no Brasil. Como explicar o que acontecia? Que indicadores teriam mais centralidade para entender as causas do fenômeno?

Se puséssemos todas as reivindicações dos manifestantes num liquidificador imaginário, e, em seguida, filtrássemos as demandas, talvez a síntese se resumisse ao fim da corrupção e à demanda por serviços públicos “padrão FIFA”. Mas, a corrupção e a péssima qualidade dos serviços públicos estão aí há décadas e nem por isso as massas explodiram. O que mais poderia explicar a adesão da sociedade às manifestações?

Os gastos públicos com os estádios da Copa parecem um ingrediente incontestável, já que o povo pede “padrão FIFA” nos serviços públicos. Também não parece possível descartar as perdas provocadas pela volta da inflação como espoleta para a explosão das massas.

Haveria mais alguma causa a considerar? Talvez a consciência da população, especialmente da classe média, sobre a alta carga tributária brasileira.

A Associação da Classe Média, de Porto Alegre, com apoio do Instituto Liberdade, foi pioneira na luta pela consciência tributária no Brasil. Foi pelas mãos da ACLAME que se iniciou, no RS, o movimento, hoje nacional, conhecido como “Dia da Liberdade de Impostos”. Em seguida, somou-se o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Depois veio a Associação Comercial de São Paulo com o Impostômetro, dentre outras inciativas que ganharam apoio do noticiário a adesão da sociedade.

Em 2005 a ACLAME fez uma pesquisa em várias capitais brasileiras, aferindo o grau de consciência tributária da população. Surpreendia, à época, o desconhecimento da sociedade quanto à alta incidência de impostos sobre o consumo. Segmentos expressivos da classe média com acesso à educação, revelavam, naquela pesquisa, desconhecer que se paga algo entre 35% e 55% de impostos sobre produtos e serviços consumidos no Brasil. Impostos, para os entrevistados, eram apenas o IRPF, o IPVA e o IPTU. Hoje a imensa maioria da população sabe que paga muitos impostos e que os governos gastam mal nosso dinheiro.

Vitória contabilizada; cabe a reflexão: isto basta?

Há dimensões ocultas, paradoxais até, implícitas ao movimento de massas que foi às ruas em junho de 2013. Por um lado, constata-se um conteúdo libertário extremamente interessante nesses movimentos. Por outro, uma demanda nebulosa que pede mais Estado onde, por coerência, deveria pedir menos Estado e mais governo.

Antes da chegada do PT ao poder, era esse partido e os sindicatos, movimentos e ONGs que controla quem servia de porta-voz das demandas da sociedade, em geral, traduzidas em pautas econômicas dirigidas aos governos.

Chegando ao poder o PT estatizou esses movimentos e organizações, seja cooptando suas lideranças com cargos no Estado, seja comprando seu apoio com a farta distribuição de dinheiro público. A ascensão social dos novos ricos petistas incrustados na máquina pública e a overdose de marketing governamental entorpeceram a mídia e o governismo com a droga da prosperidade - real para os apaniguados do Estado; ilusória para a classe média que paga a conta. Excluída das “bolsas estatais” distribuídas para os de baixo e os de cima da pirâmide social, a classe “do meio”, indignada, foi às ruas.

A internet proporcionou à sociedade libertar-se do jugo dos aparelhos paraestatais de controle social (partidos, sindicatos, ONGs). Através das mídias sociais da era digital, redes de cidadãos autônomos se articularam e saíram do mundo virtual para as ruas surpreendendo líderes e organizações da era analógica.

Até que ponto esse grito de liberdade vai se confirmar como cidadania independente do Estado, algo inédito na história patrimonialista brasileira, é uma incógnita que só o tempo responderá. Para que a formação de uma sociedade civil autônoma e independente do Estado se converta em realidade no Brasil, no entanto, muito será preciso avançar. Apesar dessa forma libertária de manifestação que as jornadas de junho apresentaram, o conteúdo das reivindicações se apresenta contraditório. As formas de ação e organização se libertaram. E as mentalidades?

Se, por um lado, essa classe média revela consciência tributária, revela também, por outro, carência de consciência fiscal. Supor que “passe livre” no transporte público é sinônimo de transporte gratuito é de uma ignorância atroz. Supor que o Maracanã estatizado custará menos ao contribuinte do que se gerido pela iniciativa privada é uma ilusão para a qual contribuiu a forma nebulosa como se deu a concessão do estádio para o consórcio de Eike Batista. Supor que rodovias estatais sem pedágio terão melhor qualidade e investimentos adequados do que se forem privadas e pedagiadas é de uma ingenuidade infantil.

Há promiscuidade entre concessionárias-empreiteiras e políticos. Obras públicas e pedágios podem custar menos se comissões para políticos corruptos e orçamentos de campanha eleitoral forem retiradas do preço pago pelo consumidor/contribuinte. As agências reguladoras precisam ser apartidárias e autônomas; órgãos cuja função é proteger a sociedade da ganância de empreiteiros e políticos.

Mas, esse povo que acredita em almoço grátis não faz essa conta e, tal como os economistas do governo, crê que os cofres públicos são fábricas de riqueza ilimitada.

Esclarecer o povo sobre os impostos que paga sobre tudo que consome levou cerca de uma década e foi tarefa relativamente simples.

Estará esse povo, deitado sobre o berço esplêndido do patrimonialismo brasileiro, disposto a viver livre da escravidão estatal?


Esses políticos que aí estão são capazes de corresponder a essa demanda ou precisamos de novos líderes e novos partidos?

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