terça-feira, 27 de agosto de 2013

2014: O QUE ESTÁ EM JOGO

A eleição de 2014 já começou. Nesse momento os entrevistados escolhem nomes nas enquetes de opinião, mas a maioria dos eleitores não tem o pleito do próximo ano no centro do seu foco.

A imprensa, os políticos e os empresários, ao contrário; observam, comentam e especulam: Dilma ou Lula? Aécio ou Serra? Eduardo Campos vai ou desiste? Marina sobrevive ao tiroteio da disputa?

O foco desse trio está sempre nos nomes. Conflitos táticos entre os competidores geram manchetes interessantes e especulações para o colunismo de opinião. Políticos sempre buscam a canoa “certa” na qual embarcar. E empresários, na política como nos negócios, estão sempre em busca do investimento “certo”.

Até esse momento, no entanto, ninguém parece preocupado com a questão de fundo da eleição de 2014. Qual é a agenda das forças que buscam o poder? Qual é a saída para a situação criada após doze anos de governos petistas?

A agenda do PT está clara e posta. Até o momento nem o PT, nem Lula e nem Dilma parecem inclinados a fazer autocrítica. Salvo prova em contrário, a proposta do PT para o Brasil assenta-se sobre os seguintes alicerces:

a)    Aprofundar a penetração do partido no Estado e mudar as regras eleitorais e de funcionamento do sistema político para institucionalizar seu projeto ideológico que visa à implantação gradual de medidas de cunho socializante valendo-se da receptividade ao paternalismo estatal dominante na cultura política patrimonialista de todas as nossas camadas sociais, cerceamento da liberdade de imprensa e expressão dos seus críticos;

b)    Conquistar maioria no Parlamento, reduzir gradualmente o poder dos aliados de esquerda, e eliminar, também gradualmente, os aliados fisiológicos (em especial o PMDB) através de cooptação com cargos públicos e posterior denúncia de envolvimento desses parceiros com corrupção para enfrequecê-los;

c)    Aprofundar a tática de cooptação de setores sociais pelo Estado através da distribuição seletiva de benefícios econômicos para aliados com vistas a garantir apoio ao projeto de conquista da hegemonia política e cultural para sua perpetuação no poder;

d)    Mais do mesmo na política econômica “desenvolvimentista” reeditada (Estado empresário ineficiente, intervencionismo e dirigismo estatal da economia, privilégio político e financeiro para os “amigos do rei”, déficit público maquiado, endividamento público, protecionismo e inflação).

A agenda que se contrapõe a esta, salvo alguma novidade, pode ser sintetizada em pontos tais como:

a)    Defesa do caráter republicano e democrático do Estado, proteção da ordem política constitucional e das regras eleitorais de modo a evitar ameaças às instituições e ao caráter competitivo das eleições; defesa das liberdades individuais e da liberdade de imprensa e expressão; respeito ao calendário eleitoral; defesa de medidas de Reforma Política que restrinjam o fisiologismo e a corrupção a garantam a alternância do poder;

b)    Reconstrução dos fundamentos do Real (superávit fiscal, câmbio flutuante, metas de inflação) para reconquistar a credibilidade e a previsibilidade da política econômica; redefinição do marco regulatório do petróleo, da energia e das atividades públicas concedidas à iniciativa privada e garantia de atratividade para investidores; despartidarização das agências reguladoras e aperfeiçoamento da legislação para reconstituir sua independência em defesa dos interesses da sociedade perante os prestadores de serviços concedidos; extinção do BNDES; redução de impostos e simplificação do sistema tributário descentralizando o sistema de arrecadação e distribuição das receitas em detrimento da União e em favor e municípios e estados;

c)    Reforma do Estado para diminuir seu tamanho e aumentar sua eficiência; foco das políticas públicas de melhoria dos serviços de saúde, educação, transporte e segurança; valorização do funcionalismo de carreira e redução do número de cargos em comissão; redução do número de ministérios; extinção de empresas e órgãos estatais; Reforma da Previdência; definição de porta de saída e prazo de validade para programas de renda mínima; redefinição, restrição e extinção gradual do subsídio estatal para atividades culturais e outras mantidas por incentivos fiscais; nova delimitação de políticas de meia-entrada e acesso gratuito a serviços e espetáculos culturais; substituição da política de cotas para acesso à educação por uma política de incentivo ao mérito por desempenho nos estudos, privilegiando o perfil de baixa renda e sem distinção de origem étnica, cobrança de mensalidades para alunos com condições de renda que ingresso em universidades públicas.

Mudando-se algum detalhe aqui ou ali, independente de quais sejam os nomes no tabuleiro, o conteúdo da disputa eleitoral de 2014 pela Presidência da República é o conflito entre essas duas agendas. Diante disso, as perguntas são:

Como se posicionam em relação a essas agendas os postulantes até agora oferecidos pelos partidos à escolha da sociedade?

Quem tem vontade política, coragem e competência para recuperar a agenda perdida e avançar com novas políticas públicas capazes de responder às demandas sociais resumidas na consigna por serviços públicos “padrão FIFA”?

Até o momento, segundo as mais recentes pesquisas de opinião, a percepção de que o Brasil está no rumo errado e o desejo de que o país mude, predominam entre os brasileiros. O vento sopra a favor da oposição. Não obstante, a cultura política dominante na mentalidade da nossa população é simpática ao paternalismo estatal e refratária a políticas públicas que visem fortalecer a sociedade e o mercado em detrimento do Estado.


Supondo-se que algum dos adversários do PT esteja disposto a abraçar a agenda de oposição, terá ele competência para “vender o peixe” aos brasileiros?

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Quem precisa de reforma política?

Se todos são a favor da reforma política, por que ela não é feita? Simples: quem quer mudar as regras do jogo deseja alterar o resultado do jogo. Se os parlamentares que deveriam votar essa reforma se elegeram com as regras que estão aí, por que quereriam mudá-las?

A construção de consensos quanto às regras de acesso e distribuição do poder é difícil. O consenso que instaurou a ordem política em vigor foi construído na Constituinte de 1988, que não foi exclusiva - isto é, os próprios parlamentares a votaram. Mudá-lo não é tarefa simples. Muito menos é algo que se consiga às pressas.

A lógica que orientou a legislação vigente visava a construir condições de governabilidade. Uma das explicações para o golpe militar de 1964, mais do que conter a ameaça comunista, foi o impasse paralisante no Parlamento. A fragmentação dos partidos e o veto das minorias impedia o governo de governar. Por isso a Constituinte previa a implantação do parlamentarismo. Mas o povo vetou esse projeto no plebiscito de 1993.

Existem vários sistemas eleitorais, todos com vantagens e desvantagens. Apesar das especificidades que marcam cada um deles, há uma clivagem central que diferencia os regimes de tipo consensual dos regimes de tipo majoritário.

O sistema majoritário (Inglaterra) baseia-se no predomínio da maioria sobre a minoria e minimiza a busca da maioria qualificada. Nesse sistema quem ganha leva tudo e o poder das minorias fica limitado à tentativa de vetar as decisões da maioria.

No sistema consensual (Brasil) ocorre o contrário, ou seja, as regras induzem a busca do consenso envolvendo uma complexa engenharia de construção de maiorias. A lógica é da ampla participação dos partidos na coalizão de governo para construção do mínimo denominador comum possível em torno dos objetivos que devem ser perseguidos pelo Executivo.

A literatura sobre o tema sugere que o sistema majoritário se adapta mais a nações com menor clivagem social - baixa diversidade e baixo nível de conflitos regionais, culturais, religiosos, étnicos ou de outra natureza. Isso porque a lógica da imposição da maioria ante a minoria em sociedades com alta diversidade tenderia a acirrar conflitos e desestabilizar a democracia.

Convém observar que boa parte dos países que adotam o sistema majoritário é parlamentarista. Nesses regimes a escolha do Gabinete de governo cabe apenas ao partido que elegeu a maioria. O povo vota nos parlamentares e o partido majoritário "escolhe" o Gabinete e o primeiro-ministro. A lógica do sistema majoritário tende a prejudicar os pequenos partidos e a organizar a disputa pelo governo em torno de duas ou três grandes legendas que conseguem montar estruturas em todos os distritos eleitorais.

Já o sistema consensual se adapta a nações com maiores diversidade e clivagens sociais. A necessidade de compor maioria exerce interessante coerção sobre a lógica desse sistema: para compor maioria eleitoral ou coalizões de governo os partidos são forçados a abandonar projetos radicais para construir os consensos possíveis. O mérito desse sistema, portanto, consiste na contenção dos extremos.

A adoção do sistema majoritário num país de tradição autoritária como o Brasil, ou mesmo a adoção de regras eleitorais que assegurem maioria parlamentar a um partido político apenas, dispensando-o de negociar as bases da coalizão de governo, deveria levar instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, a refletir seriamente antes de embarcarem em aventuras institucionais como a mudança das regras eleitorais às pressas, na véspera de uma eleição.

O projeto ideológico do PT para a sociedade brasileira é um projeto radical, de cunho socialista, que não se esgota nos limites das políticas públicas do governo Dilma Rousseff. Sua estratégia de implantação é gradualista. Observe-se a lenta substituição dos fundamentos do Plano Real pela política econômica atual, ao longo dos três mandatos presidenciais petistas, por exemplo. O próximo passo do roteiro estratégico petista seria a conquista da hegemonia no Parlamento, com o deslocamento do PMDB de sua posição atual na coalização governista para uma posição subalterna. Com o PMDB menor e a bancada petista, aliada a outros partidos de esquerda, maior, o PT almeja o controle do Congresso para fazer a "revolução" por meio da aprovação de novas leis de cunho socializante. Dentre elas, leis eleitorais e sobre a ordem política que assegurem sua perpetuação no poder e a eliminação dos adversários.

A marca PT é top of mind entre os eleitores brasileiros. Logo, a aprovação do voto em lista levaria ao aumento da bancada petista. O critério de distribuição do fundo público de financiamento eleitoral, obedecendo à mesma lógica da distribuição do tempo do horário eleitoral gratuito, favoreceria os partidos com maior bancada, enchendo os cofres do PT e esvaziando os de seus concorrentes.

Chegamos, então, às razões do impasse político atual. O PMDB e o PSB perceberam qual seria seu destino em caso de vitória da estratégia hegemonista do PT e acionaram os mecanismos de freios e contrapesos do regime consensual vigente. Isso ocorreu antes mesmo de as manifestações populares de junho evidenciarem o fracasso das políticas públicas petistas, notadamente da política econômica.

Isso significa que o sistema político e eleitoral vigente não precisa ser aperfeiçoado? Não. Mas um dos pressupostos da democracia é o respeito às regras do jogo. Não há tempo hábil para mudar essas regras sem violentar o calendário eleitoral, apenas para atender a uma demanda de um jogador. A voz das ruas pede mudanças e o caminho das mudanças, na democracia, é a urna. Essa é a razão da pressa de quem quer mudar as regras antes de o povo começar a mudar o País nas urnas de 2014.

Publicado originalmente em O Estado de São Paulo de 13/08/2013.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,quem-precisa-de--reforma-politica-,1063397,0.htm

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

“Não se faz reforma política às pressas”, afirma o cientista social Paulo Moura

7 de agosto de 2013 

pequeno normal grande
Paulo Moura
A reforma política voltou mais uma vez ao cenário nacional após as manifestações que tomaram as ruas do país em junho passado. O governo federal, buscando tentar dar uma resposta rápida à sociedade, se apressou a propor uma assembleia constituinte exclusiva para o tema, hipótese rapidamente afastada. Agora está em debate a possibilidade da realização de um plebiscito para definir os rumos da reforma.
Para analisar os pontos principais da discussão, o Instituto Millenium procurou o professor Paulo Moura, que é mestre em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em comunicação social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Coordenador do curso de Ciências Sociais EAD da Ulbra, ele considera que não se deve fazer mudanças tão importantes de forma apressada e afirma: “Não existe sistema político perfeito. Todos os sistemas têm vantagens e desvantagens”.
Instituto Millenium: A crise de representatividade, hoje tão discutida, talvez tenha uma de suas raízes nas distorções do sistema político. Afinal, por que a reforma política até hoje não saiu do papel?
Paulo Moura: Não existe sistema político perfeito. Todos os sistemas têm vantagens e desvantagens. Mexer nas regras altera o resultado do jogo. Alguém perde e alguém ganha. O consenso é impossível por essa razão. Os políticos que aí estão se elegeram com essas regras e resistem em mudá-las por isso. O problema não são as regras, mas a cultura política patrimonialista e corrupta.
Imil: O anteprojeto de lei 03/2012 contempla temas ligados a melhor definição do sistema político (processos, propagandas etc), aos instrumentos de democracia direta como o plebiscito, projetos de iniciativa popular, voto obrigatório ou facultativo, cláusula de desempenho partidário e candidatura avulsa. O que seria o mais prioritário reformar?
Moura: Há dezenas de projetos de lei na Câmara e outros tantos no Senado. As propostas são tópicas e, por vezes, incompatíveis com a lógica do sistema proporcional que temos. A mentalidade dos políticos e do povo que os elege é o que precisa de reforma. Historicamente, o governo recorre à reforma política para sair de crises em que se torna alvo. Assim, transfere o foco para o Congresso. Dessa forma, jamais teremos uma reforma política.
Imil: O senhor acha que o plebiscito seria a melhor forma para realizar a reforma política? 
Moura: Não. Plebiscitos não se prestam a temas complexos e não se faz reforma política às pressas. Existem dois sistemas básicos no mundo com variantes. O nosso é o proporcional e o da Inglaterra é majoritário. Cada um tem uma lógica específica e regras coerentes com essa lógica. No Brasil querem impor regras de um sistema dentro de outro. As medidas provisórias são exemplo disso. Parece esquizofrenia dos nossos políticos.
Imil: O principal motivador das reformas políticas por parte da sociedade é o interesse em moralizar o sistema político brasileiro. Na maioria dos casos a demanda social por reformas políticas está relacionada com o fenômeno da corrupção. O senhor acredita que para acabar com a corrupção bastaria uma reforma política?
Moura: Não. Algumas regras podem ajudar a melhorar. Mas o que resolve corrupção é cadeia. É imperativo acabarmos com a impunidade dos crimes de colarinho branco no Brasil.
Imil: Um tema espinhoso que seria discutido é o financiamento de campanhas eleitorais, cuja proposta é que seja exclusivamente público como substituto ao sistema atual misto. O financiamento misto é apontando como grande facilitador da corrupção. Como o senhor analisa este aspecto?
Moura: A proposta de financiamento público visa favorecer as maiores bancadas, pois o dinheiro seria distribuído por esse critério. O objetivo dos proponentes é a sua perpetuação no poder. O caixa dois continuaria existindo e todos seriam jogados na vala comum do crime.
Imil: Uma das questões da reforma é a cláusula de barreira. Podemos afirmar que ela funciona como uma cláusula de exclusão atuando sobre a vontade do eleitor em benefício da governabilidade? 
Moura: Essa regra limita o número de partidos e reduz o poder de barganha das legendas de aluguel. Ajuda a moralizar. Hoje em dia, criam-se partidos no Brasil para negociar tempo de TV e cargos no governo. Essa mudança seria positiva.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

De olho nas eleições, parlamentares propõem minirreforma eleitoral

De olho nas eleições, parlamentares propõem minirreforma eleitoral

5 de agosto de 2013 
Autor: Comunicação Millenium
pequeno normal grande
Proposta que prevê alterações no sistema eleitoral brasileiro tramita na Câmara dos Deputados e pode ser votada ainda em agosto. O texto inclui uma série de medidas que prometem enfraquecer a legislação eleitoral.  A minirreforma eleitoral, como vem sendo chamado o projeto, reduzirá a punição para partidos e candidatos envolvidos em escândalos e diminuirá as restrições às doações de campanha.
Paulo Moura, especialista do Instituto Millenium, cientista social e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembra que uma parcela expressiva dos casos de corrupção na política começa com os financiamentos eleitorais.
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Alexandre Barros
Também contrário à proposta, o cientista político e especialista do Instituto MilleniumAlexandre Barros afirma que a minirreforma eleitoral beneficiará apenas aos políticos. “Sou contra a reforma porque ela dará uma blindagem total aos políticos”, comenta.
Caso aprovada, a minirreforma também limitará a ação do Judiciário e do Ministério Público nas eleições. Segundo a proposta dos deputados, a Justiça fica impedida de fazer “qualquer interferência na autonomia dos partidos” e os candidatos não podem ser responsabilizados por desvios cometidos por integrantes de sua campanha. Além disso, estaria proibida a cobrança de multa dos políticos ficha-suja e os candidatos a presidente e governador em 2014 seriam dispensados de protocolar os seus planos de governo na Justiça.
Para Moura, a obrigatoriedade do registro dos programas de mandato na Justiça Eleitoral, em vigência, atualmente, é uma medida que apoia os eleitores na escolha de seus representantes. “Na última eleição para prefeito, testemunhei, pessoalmente, o esforço que candidatos tiveram que fazer para formular propostas de governo sérias”, comenta.
Burocracia nas eleições em questão
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) é o principal defensor do pacote de mudanças. Dentre os argumentos dos parlamentares favoráveis às alterações, destaca-se a redução da burocracia nas eleições, visando torná-las mais democráticas e transparentes.
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Paulo Moura
Moura tem uma posição cética em relação a esse aspecto da proposta dos deputados, que considera um retrocesso para a política nacional. Em sua concepção, o projeto não favorece a democracia nas eleições e a transparência na fiscalização das contas de campanha dos parlamentares. Para Moura, a minirreforma eleitoral configura-se como uma resposta ao aumento do rigor na fiscalização realizada pela Justiça Eleitoral nos últimos anos.
O cientista social condena a corrida dos políticos para obterem vantagens nas eleições de 2014. “Considero essa prática um atentado à democracia. Um sistema político estável pressupõe regras estáveis e obediência a regras até para mudá-las. O Brasil deve ser caso único no mundo nessa prática de legislar sobre o próximo pleito na véspera da eleição. Isso precisa mudar”, analisa.
Reforma eleitoral e as manifestações populares
Na opinião de Moura, as novas regras do sistema eleitoral aumentariam o número votos nulos e poderiam desencadear uma “revolta popular”. O especialista do Instituto Millenium comenta que pontos do projeto contradizem as proposta do plebiscito proposto pelo governo, demonstrando que a divulgação da consulta popular visava aplacar as manifestações da população.
“Os políticos de todas as esferas de poder se assustaram e passaram a inventar medidas para acalmar as ruas. Mas nada do que o povo reivindica tem solução de curto prazo, e os políticos parecem agir em sentido oposto ao esperado pela população”, analisa Moura.
Barros enfatiza que as medidas da minirreforma reduzirão o poder do voto do eleitor e darão imunidade total aos políticos. “Por esses motivos, a população precisa se manifestar contra o projeto”, opina.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

JORNADAS DE JUNHO: UMA CAUSA NÃO PERCEBIDA

Quem é o líder? Qual é o partido? Quem está por trás? O que querem? Com quem negociar? Perguntas como essas atormentaram jornalistas e políticos perplexos com as manifestações de junho de 2013 no Brasil. Como explicar o que acontecia? Que indicadores teriam mais centralidade para entender as causas do fenômeno?

Se puséssemos todas as reivindicações dos manifestantes num liquidificador imaginário, e, em seguida, filtrássemos as demandas, talvez a síntese se resumisse ao fim da corrupção e à demanda por serviços públicos “padrão FIFA”. Mas, a corrupção e a péssima qualidade dos serviços públicos estão aí há décadas e nem por isso as massas explodiram. O que mais poderia explicar a adesão da sociedade às manifestações?

Os gastos públicos com os estádios da Copa parecem um ingrediente incontestável, já que o povo pede “padrão FIFA” nos serviços públicos. Também não parece possível descartar as perdas provocadas pela volta da inflação como espoleta para a explosão das massas.

Haveria mais alguma causa a considerar? Talvez a consciência da população, especialmente da classe média, sobre a alta carga tributária brasileira.

A Associação da Classe Média, de Porto Alegre, com apoio do Instituto Liberdade, foi pioneira na luta pela consciência tributária no Brasil. Foi pelas mãos da ACLAME que se iniciou, no RS, o movimento, hoje nacional, conhecido como “Dia da Liberdade de Impostos”. Em seguida, somou-se o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Depois veio a Associação Comercial de São Paulo com o Impostômetro, dentre outras inciativas que ganharam apoio do noticiário a adesão da sociedade.

Em 2005 a ACLAME fez uma pesquisa em várias capitais brasileiras, aferindo o grau de consciência tributária da população. Surpreendia, à época, o desconhecimento da sociedade quanto à alta incidência de impostos sobre o consumo. Segmentos expressivos da classe média com acesso à educação, revelavam, naquela pesquisa, desconhecer que se paga algo entre 35% e 55% de impostos sobre produtos e serviços consumidos no Brasil. Impostos, para os entrevistados, eram apenas o IRPF, o IPVA e o IPTU. Hoje a imensa maioria da população sabe que paga muitos impostos e que os governos gastam mal nosso dinheiro.

Vitória contabilizada; cabe a reflexão: isto basta?

Há dimensões ocultas, paradoxais até, implícitas ao movimento de massas que foi às ruas em junho de 2013. Por um lado, constata-se um conteúdo libertário extremamente interessante nesses movimentos. Por outro, uma demanda nebulosa que pede mais Estado onde, por coerência, deveria pedir menos Estado e mais governo.

Antes da chegada do PT ao poder, era esse partido e os sindicatos, movimentos e ONGs que controla quem servia de porta-voz das demandas da sociedade, em geral, traduzidas em pautas econômicas dirigidas aos governos.

Chegando ao poder o PT estatizou esses movimentos e organizações, seja cooptando suas lideranças com cargos no Estado, seja comprando seu apoio com a farta distribuição de dinheiro público. A ascensão social dos novos ricos petistas incrustados na máquina pública e a overdose de marketing governamental entorpeceram a mídia e o governismo com a droga da prosperidade - real para os apaniguados do Estado; ilusória para a classe média que paga a conta. Excluída das “bolsas estatais” distribuídas para os de baixo e os de cima da pirâmide social, a classe “do meio”, indignada, foi às ruas.

A internet proporcionou à sociedade libertar-se do jugo dos aparelhos paraestatais de controle social (partidos, sindicatos, ONGs). Através das mídias sociais da era digital, redes de cidadãos autônomos se articularam e saíram do mundo virtual para as ruas surpreendendo líderes e organizações da era analógica.

Até que ponto esse grito de liberdade vai se confirmar como cidadania independente do Estado, algo inédito na história patrimonialista brasileira, é uma incógnita que só o tempo responderá. Para que a formação de uma sociedade civil autônoma e independente do Estado se converta em realidade no Brasil, no entanto, muito será preciso avançar. Apesar dessa forma libertária de manifestação que as jornadas de junho apresentaram, o conteúdo das reivindicações se apresenta contraditório. As formas de ação e organização se libertaram. E as mentalidades?

Se, por um lado, essa classe média revela consciência tributária, revela também, por outro, carência de consciência fiscal. Supor que “passe livre” no transporte público é sinônimo de transporte gratuito é de uma ignorância atroz. Supor que o Maracanã estatizado custará menos ao contribuinte do que se gerido pela iniciativa privada é uma ilusão para a qual contribuiu a forma nebulosa como se deu a concessão do estádio para o consórcio de Eike Batista. Supor que rodovias estatais sem pedágio terão melhor qualidade e investimentos adequados do que se forem privadas e pedagiadas é de uma ingenuidade infantil.

Há promiscuidade entre concessionárias-empreiteiras e políticos. Obras públicas e pedágios podem custar menos se comissões para políticos corruptos e orçamentos de campanha eleitoral forem retiradas do preço pago pelo consumidor/contribuinte. As agências reguladoras precisam ser apartidárias e autônomas; órgãos cuja função é proteger a sociedade da ganância de empreiteiros e políticos.

Mas, esse povo que acredita em almoço grátis não faz essa conta e, tal como os economistas do governo, crê que os cofres públicos são fábricas de riqueza ilimitada.

Esclarecer o povo sobre os impostos que paga sobre tudo que consome levou cerca de uma década e foi tarefa relativamente simples.

Estará esse povo, deitado sobre o berço esplêndido do patrimonialismo brasileiro, disposto a viver livre da escravidão estatal?


Esses políticos que aí estão são capazes de corresponder a essa demanda ou precisamos de novos líderes e novos partidos?